O poder de uma história pode ser uma enorme alavanca para as marcas! Rechear os seus produtos e serviços com um propósito maior, e colocá-los dentro de uma narrativa nobre, pode ser a cereja do bolo em termos de branding e vendas.
Para entender melhor como o contação de histórias, ou o storytelling, podem mudar o relacionamento das empresas com os seus públicos, entrevistamos vários especialistas para saber por que e como aplicar uma grande estratégia de storytelling. Confira as entrevistas:
Fernando Palácios – Sócio fundador da Storyteller Brand ´n´ Fiction
Bruno Scartozzoni – Co-fundador do Storytalks
Anna Laura Neumann - Publicitária na Amê Storytelling - Especialista em Marketing Digital e Storytelling
Ricardo Cestari Jr. - Marketing Manager na Neo Assist
Desde os primórdios as marcas já usam recursos de Storytelling. O sapateiro do império romano contava a história de por que o seu produto era superior ao da concorrência: tinha a matéria-prima do couro mais bem selecionada fazendo um produto final superior, ou usava técnicas aprendidas com os antepassados que foram afinadas ao longo de gerações e garantiam um produto inigualável, ou ainda que tinham seus produtos usados e aprovados pelos membros mais exigentes da elite. Nesse sentido, o próprio conceito de marca anda lado a lado com o de Storytelling. A melhor forma de fidelizar um consumidor é fazer com que o consumidor viva uma história. Nesse sentido, o produto ou serviço deve ser concebido com esse intuito. Ações de Live Marketing podem ser estratégicas nesse momento. Mas ao invés de fazer um simples coquetel, a marca deve realizar um espetáculo teatral ou até mesmo um ARG - Alternate Reality Game - em que a audiência vive uma história e até mesmo define seus caminhos. Acontece que essa prática sempre aconteceu de forma espontânea e intuitiva. Nos últimos sete anos, as marcas passaram a buscar métodos e processos replicáveis. Por isso, se buscarmos no Google Trends o termo Business Storytelling, os resultados de pesquisa só começam a aparecer a partir de 2009. O tema foi trazido ao Brasil em 2007, quando defendi na Universidade de São Paulo o primeiro trabalho acadêmico relacionando histórias com mundo corporativo e também quando realizei o primeiro projeto para uma empresa brasileira.
Para entender como as histórias funcionam, é sempre bom usar uma como exemplo. Que tal o detetive mais famoso de todos os tempos? Vamos lá: Sempre que o Sherlock Holmes está trabalhando em um caso, ficamos na ponta da cadeira torcendo para que ele desvende o mistério. Enquanto isso acontece, prestamos atenção em todos os seus movimentos. Acompanhamos cada ação que ele faz. Costuma ter um momento em que ele fica um pouco perdido, sem saber o que fazer. Talvez ele toque seu violino para se inspirar. Talvez ele ande pelas ruas de Londres. Talvez nessa hora ele decida tomar um leite de caixinha e ao ver algo na embalagem ele acabe tendo um insight poderoso. Pois bem. Nessa hora ficamos felizes com o leite e é capaz de ficarmos com vontade de tomar leite. Capaz inclusive de lembrarmos-nos dessa cena quando estivermos no supermercado e nos depararmos com a mesma embalagem. Da mesma forma, quando o James Bond usa uma marca de relógio ou de roupa, vamos nos imaginar usando as mesmas peças. Há um estudo sobre o crescimento da vodka nos Estados Unidos após os filmes do 007. A conclusão do estudo: tudo o que um bom personagem consome serve como forte sugestão de consumo para a audiência.
Storytelling significa que o produto final é uma narrativa: um bom filme, ou livro de ficção, game, história em quadrinhos, videoclipe musical ou na menor das hipóteses uma história contada de forma oral durante uma apresentação ou palestra. A primeira coisa é encontrar a história certa. Isso é feito a partir da mensagem que se deseja transmitir. Existem várias formas de determinar essa mensagem, para exemplificar podemos partir de um processo de solução de problemas. Na época em que a Humanidade vivia nas cavernas, as histórias eram contadas para ensinar as novas gerações a superar problemas como caçadas fracassadas ou intoxicação alimentar causada por certos frutos. Um esquema para simplificar o processo é: Problema a ser resolvido > complicador para o problema > dilema que exija uma tomada de decisão > opção escolhida e seus desdobramentos > Moral da história. A partir dessa estrutura, é fundamental inserir personagens que possam ilustrar essa história. No mínimo serão necessários quatro personagens para desenvolver a estrutura dramática da narrativa: Herói / Mentor / Vilão / Vítima. A vítima é alguém na situação de vulnerabilidade e que precisa da ajuda do herói. O herói é aquele que vai lutar por uma transformação, mas que para isso precisa aprender algo importante. O mentor é aquele que vai ensinar a lição. O vilão é quem vai causar a necessidade de mudança, normalmente ameaçando a vítima. Essa estrutura funciona tanto para histórias heroicas, quanto para comédias românticas ou até mesmo para histórias de startups de sucesso. Afinal, quando alguém empreende é porque encontrou uma oportunidade de mercado, que tem a ver resolver a necessidade de algum tipo de consumidor que é vítima de um sistema imperfeito. Mas isso é o básico.
Uma história é bem feita quando aplica uma série de técnicas narrativas e conta com centenas de boas ideias em sua concepção. Por isso que sempre sugiro aos meus alunos e clientes que contratem um profissional - escritor ou roteirista - para lidar com a parte técnica. Mesmo histórias reais dependem de ser bem contadas para encantar. Um grande autor brasileiro chamado Affonso Romano de Sant'ana certa vez comentou que Jorge Amado se inspirou numa matéria de jornal para criar uma de suas melhores histórias. "O jornal embrulhou peixe na feira e o livro de Jorge Amado foi traduzido para mais de 70 línguas. O que existe no texto do escritor que difere na forma de escrever das pessoas comuns?" A conclusão é que "nem toda vida daria uma história. Ou daria, se ouvida e escrita por um escritor." O fato é que bons autores dedicam anos mergulhados em estudar técnicas narrativas e analisar as histórias de outros escritores. Essa dedicação permite ao profissional saber encontrar a história certa a ser contada. Além disso, escritores são mestres da palavra e sabem quando uma frase está ruim. E basta uma frase no lugar errado para que o cliente-leitor fique com preguiça e abandone o texto.
Podemos entender storytelling como o conjunto de técnicas normalmente utilizadas por escritores, roteiristas e outros profissionais do mundo do entretenimento para encantar, capturar a atenção e engajar seus públicos. Quando você fica duas horas sem olhar para o celular porque está interessado em um filme, ou esquece o tempo passando porque o livro te fisgou, esse é o efeito do storytelling. Quando levamos esse tipo de técnica para o mundo corporativo, em uma campanha publicitária ou uma apresentação de PowerPoint, o objetivo é produzir os mesmos efeitos que boas histórias têm sobre as pessoas. Elas capturam nossa atenção, encantam e engajam. Marcas que procuram esse tipo de resultado definitivamente deveriam olhar com mais carinho para o storytelling.
De uma forma resumida, storytelling tem tudo a ver com emoção. Boas histórias são capazes de nos manter atentos e engajados justamente porque emocionam. Nas últimas décadas tanto a psicologia quanto a neurociência têm estudado esse tipo de relação. O psicólogo Jerome Bruner, por exemplo, nos mostrou que um fato tem 22 vezes mais chance de ser lembrado se estiver ancorado em uma história. Então, se você quer vender, precisa emocionar.
Toda história, não importa o meio, gênero ou objetivo, possui alguns elementos em comum. Um personagem está vivendo sua vida quando surge um novo problema. Agora esse personagem busca por uma solução, mas para chegar lá terá que enfrentar uma série de desafios. Para vencer esses desafios terá que mudar quem ele é. No final o personagem consegue o que quer, mas sua vida está transformada. No mundo corporativo enxergamos esse tipo de estrutura em várias situações. Por exemplo, o empreendedor lutando contra tudo e contra todos para prosperar sua ideia. A equipe de TI que se depara com um bug e tem que criar uma nova ferramenta para salvar a empresa. É tudo uma questão de organizar os fatos dentro de uma estrutura a mais próxima possível dessa.
Dentro da estrutura já apresentada, o importante é contar histórias, reais ou não, que ecoem de forma sincera para o público. Histórias devem sempre tangenciar, mesmo que de forma leve, as grandes questões humanas. Ainda que o objetivo seja vender alguma coisa (produto, serviço, ideia, voto etc.) as histórias nunca devem ter a venda como centro, mas sim aquilo que importa para qualquer pessoa: amor, busca por um sonho, nascimento, perda etc.
Sem dúvida. Quando pensamos em comunicação B2B o padrão é imaginar algo mais frio e institucional. Mas todo mundo se esquece de que, do outro lado da mesa, sempre haverá um ser humano. Um CEO, um diretor, um gerente de compras... são pessoas que também se emocionam e que são suscetíveis a uma boa história. No final das contas ninguém vende para um CNPJ, mas sim para um CPF. Mesmo nos casos B2B.
O Storytelling é uma metodologia que gera emoção e conexão entre marcas e públicos, o que consequentemente fortalece as marcas e melhora seus resultados.
Não acredito que exista uma estratégia de venda por trás do Storytelling. O foco dessa metodologia é gerar um relacionamento, que consequentemente pode ou não gerar uma venda. É uma estratégia de longo prazo, mas que gera resultados perenes para a saúde da marca como um todo, não só para as vendas em si.
Não acredito em uma fórmula fechada. Cada marca possui sua história e seu jeito de emocionar através dela.
É preciso ter emoção. Se a história não se conectar com outras pessoas, não é uma boa história. Minha dica é sempre ter em mente que se a empresa é feita de pessoas e todas as pessoas têm uma história para contar, então as empresas também tem uma boa história para contar.
Já parou pra perceber que as marcas mais queridas são guiadas por um propósito? E inspiradas nesses propósitos, elas criam todos os dias e em todos os canais em que atuam, pequenas histórias que compõem uma história maior (a busca por aquele propósito). Na prática, utilizar storytelling dá resultado em primeira instância no posicionamento da marca. Em seguida, otimiza tempo e recursos na hora de construir campanhas e passar uma mensagem (afinal, está lá, na alma, no DNA da empresa). E por último, quando a história é bem amarrada, os clientes vão ter impulsos mais convincentes na hora de comprar e de continuar comprando de uma marca.
Não gosto muito de dizer que existe uma estratégia de vendas por trás do storytelling, mas podemos dizer que Storytelling vende por si só. Vou dar um exemplo: eu amo os filmes do universo cinematográfico da Marvel. Eles estão me contando a mesma história há 10 anos, ao longo de 21 filmes e contando, com pequenas e diferentes micro-histórias. Pois bem, eu vou em todas as pré-estreias dos filmes, eu compartilho coisas sobre os filmes nas redes sociais, eu participo de fóruns de discussão sobre o universo e compro os quadrinhos, livros e games que saem sobre o mesmo universo. Eu virei um fã, não somente por causa dos super heróis nem por causa do enredo contido em cada um dos filmes, mas por causa de toda a história maior que estão contando. Eu faço parte de uma mesma comunidade que ajuda a contar essa história e a derivá-la. Nisso, a Marvel e a Disney estão faturando horrores. Mas de maneira orgânica, não tentando me empurrar o produto. Eu já sou parte dessas histórias.
Storytelling tem um conjunto de técnicas muito abrangentes, mas no fim das contas é uma técnica por si só. Storytelling precisa ser o que o próprio nome diz. Contar uma boa história. Hoje, mais do que contar, é preciso que uma história GERE novas histórias. Que uma pessoa que veja um vídeo viralizando na Internet consiga utilizá-lo para compartilhar do seu jeito e levá-lo a mais gente, mas com a sua cara. Do ponto de vista prático, um storyteller precisa ser muito bom de narrativa, de escrita (que é a pedra fundamental do storytelling), noções multimídia e transmídia (para poder atuar em todos os canais possíveis e necessários) e empatia. É preciso conhecer a pessoa que vai "ouvir" a história.
Em primeiro lugar: estude seu público. Em especial, sua persona. Estude todos os caminhos e profundezas dessa persona. Através de poucas entrevistas, é possível extrair detalhes fundamentais de suas emoções e transformar em histórias fantásticas, baseadas em gatilhos. Com isso, você pode seguir frameworks conhecidos, como a jornada do herói. Ao mapear a jornada da persona, você faz uma combinação com os estágios da jornada do herói e determina quais gatilhos e momentos narrativos vão ser cruciais para ativar o desejo daquela persona em comprar seu produto ou participar da sua comunidade. É contar histórias menores, dentro de uma narrativa maior.