Quando se estuda a economia clássica, observa-se que as pessoas (o “homo economicus”) capazes de processar informações e que tomam suas decisões econômicas e/ou de consumo de forma plenamente racional. Mas, sabemos que não é assim que funciona na prática. Cada um de nós têm nossas emoções, hábitos, experiências e que tudo isso influencia nas nossas decisões.
É levando em conta esta realidade que caminha a economia comportamental, um campo relativamente novo do estudo da economia. E isso representa uma mudança na forma como as empresas podem ver as pessoas, estimulando cada vez mais o consumo e as finanças de forma consciente. Conversamos com sete especialistas neste tema para entender como é possível empregar estas ideias numa estratégia de negócios e como serviços de finanças pessoais impactou o comportamento das pessoas.
Confira quem são os entrevistados e as suas respostas abaixo:
Aqui no Brasil, a cultura da economia comportamental, ainda está engatinhando nas empresas. Vale lembrar que dentro dessa cultura não está apenas a visão de vieses e "irracionalidades". Talvez o grande ensinamento da economia comportamental para empresas seja promover a cultura de decisões baseadas em evidências empíricas através de testes controlados. Menos palpites e mais experimentos.
Sim, sem dúvida. Tanto para o empreendedor como para o experiente CEO de uma grande empresa, existe o fantasma de "irracionalidades" rondando suas cabeças como, por exemplo, o excesso de confiança que resulta em otimismo descabido, cegueira a evidências, escalada do comprometimento, dentre outros problemas que podem ser fatais na tomada de decisão nas empresas.
Não tenho números nesse sentido, mas parece que a propagação desse tipo de teoria, aliado ao surgimento de muitos influenciadores digitais, têm criado uma cultura de mais cuidado nas pessoas em relação a suas finanças pessoas. Ainda é pouco e é uma cultura que deve ser acompanhada pelas instituições financeiras aqui no Brasil, mas o cenário parece promissor.
O objetivo da economia comportamental quando aplicada nas práticas empresariais é trazer mais realidade e compreensão sobre as decisões dos indivíduos. De acordo com a perspectiva clássica da teoria do consumidor, os agentes são racionais e buscam maximizar sua satisfação na hora de fazer uma escolha. Na prática vemos que as decisões são pautadas em uma série de fatores, os consumidores levam em consideração o contexto no qual fazem suas escolhas. Estado emocional, campanhas publicitárias, normas sociais, experiências passadas... Tudo isso pode alterar a percepção das pessoas e as conduzirem a decisões que não seriam consideradas ótimas pelo modelo tradicional da economia.
A nova abordagem da economia comportamental mostra o impacto que pequenas mudanças podem causar, a forma que a escolha é apresentada, se o caminho para aquela decisão estão simplificados, o ponto de referência dos indivíduos, o enquadramento da escolha em relação a perdas e ganhos, tudo isso pode mudar a percepção dos consumidores e deve ser usado pelas empresas na hora falar com seus clientes para trazer um melhor resultado.
Vemos cada vez mais empresas (principalmente de consultoria e publicidade) adotando as ferramentas de economia comportamental para melhorar a interação com os clientes. O foco é compreender cada vez melhor o contexto das escolhas e também os indivíduos, a melhor forma para isso é por meio de questionários e experimentos para coleta de dados. Melhorar a comunicação e criar caminhos mais simples para a escolha podem ser meios efetivos para aumentar a performance dos negócios.
Percebo hoje que as pessoas estão mais preocupadas com o futuro. Com o assunto sendo debatido cada vez com mais força, o dinheiro deixa de ser um tabu. Ainda não podemos falar que a cultura financeira está nossa rotina, mas eu como profissional dessa área de educação financeira, vejo como crescente o interesse por tal, mesmo com informações desencontradas e confusas. É nossa missão esclarecer e desmistificar o assunto, tornar simples e mostrar a importância de se organizar e gerir seu dinheiro com inteligência. Os aplicativos ajudam muito nessa parte, aproximam as pessoas das possibilidades de investimento e conscientizam da importância de poupar para o futuro.
Na economia clássica, o pressuposto era de que o consumidor e os mercados atuavam de maneira racional e o foco era na relação de demanda e oferta. As empresas analisavam as demandas dos consumidores, comparavam com a oferta existente no mercado e a partir disso, tomavam suas decisões. Entretanto, o pressuposto de que os consumidores e o mercado se comportam de maneira apenas racional se mostra insuficiente para se entender o comportamento do mercado e consumidores. É aí que entra a economia comportamental: vieses cognitivos e comportamentos não racionais explicam muitos das decisões que tomadas, por exemplo, o tal efeito manada que descreve porque muitas pessoas tomam a mesma decisão ao mesmo tempo, mesmo quando isso é prejudicial a elas.
Sim. As empresas podem e devem levar em consideração a economia comportamental na hora de montar a estratégia de negócios. O exemplo típico disso é na área de marketing e comunicação. Levando em consideração como a mente humana funciona de maneira muitas vezes não racional, as empresas podem otimizar suas estratégias de Marketing criando gatilhos mentais como criação de senso de urgência, ancoragem, autoridade e reciprocidade.
Tudo indica que sim: apps financeiros estão cada vez mais populares, jornais e revistas de grande circulação publicam matérias e revisões e as instituições financeiras tanto as grandes e tradicionais quanto às independentes e em fase de crescimento estão investindo pesado na área de tecnologia em especial na interface de apps. É importante notar que este investimento se dá não apenas do ponto de vista técnico, mas principalmente em como a interface com o usuário pode ser otimizada levando em consideração os dados de economia comportamental. Com tudo isso, as pessoas estão migrando cada vez mais das agências físicas para as interfaces eletrônicas, dos computadores para os dispositivos móveis, de ter “horários para fazer coisas de banco”, para “fazer coisas de banco a qualquer horário”. Além disso, que eu tenho testemunhado, mas ainda muito em início no Brasil, é o crescente número de pequenos investidores que estão tendo acesso a produtos de investimento de maior qualidade, graças a estas facilidades de acesso.
No Brasil eu acho que ainda não alterou. Certamente há empresas que já começam a desenvolver uma prática interna ou pelo menos uma cultura que reconheça isso. Assim, hoje, quem contrata um economista comportamental no Brasil são departamentos do Estado, instâncias do Governo Federal e alguns estados. Em termos de empresas, quem tem contratado são departamentos de RH (mais como uma estratégia de motivação ou algo que o valha, em vez de algo mais perene e que influa na cultura da empresa) ou o departamento de marketing, mas como ação de PR.
Economia comportamental está se tornando uma buzz no Brasil e isso tende a deturpar um pouco as coisas. Então eu diria que aqui ainda não alterou nada sobre o pensamento sobre o consumidor. Agora, se pegar o cenário norte-americano ou britânico, aí podemos falar de algumas mudanças já em curso, embora ainda tímidas. Têm-se dois vieses nestes mercados. O primeiro viés é com o consumidor interno. Usa-se a economia comportamental para influenciar a cultura organizacional ou ajudar agentes que interajam com o consumidor a reter mais clientes ou vender mais. Também tem sido usado para desenvolver interfaces de interação ou serviços que considerem aspectos comportamentais no seu desenvolvimento. Com relação ao que se pensa do consumidor em si, não acho que mudou muito. O marketing já entende o consumidor levando em conta aspectos comportamentais desde a década de 80 pelo menos. Só tem agora mais suporte científico para criar estratégias.
Totalmente e eu diria que é altamente recomendável. Partindo da premissa que você vende alguma coisa para uma pessoa é fundamental considerar conceitos de arquitetura de escolha, nudge, vieses cognitivos e heurísticas na hora do desenho. Vale considerar que os mais ortodoxos no ramo não gostam de extrapolações dos conceitos, por exemplo, quando você fala de comportamento, fala-se de indivíduos, então, você não pode extrapolar descobertas da economia comportamental para uma sociedade. Quem trata disso é a sociologia/antropologia. Então, para planejamentos maiores, é importante dosar a aplicação desses conceitos.
Não conheço bem a cena de fintechs no Brasil e menos ainda fintechs que aplicam princípios comportamentais, então eu diria que tem um potencial de ter impacto grande sim. Se pegarmos a experiência internacional, veremos que usar princípios comportamentais para ajudar na nossa relação com dinheiro é bastante proveitoso. Nos Estados Unidos, existe o caso do Save More Tomorrow, que é um programa de estímulos para que as pessoas poupem mais para suas aposentadorias. No Brasil, eu diria que é hora de pensarmos nisso. Temos um país grande onde educação já é um problema e precisa ser cada vez mais estimulada e barateada para poder atingir todas as camadas da população do mesmo modo. Com as mudanças no mercado de trabalho e na previdência social em curso nossa relação com dinheiro vai ter de mudar também e ferramentas inspiradas no Save More Tomorrow, por exemplo, poderão ser cada vez mais úteis.
A Economia Comportamental se propõe a entender como, de fato, as pessoas fazem escolhas. Além dos aspectos cognitivos ou racionais, inclui os aspectos emocionais envolvidos nas tomadas de decisão. Ela se interessa por saber como as imagens, momento do dia, capacidade de atenção e crenças, entre outros fatores, influenciam a relação do consumidor com a compra de produtos.
Sabendo disso, as empresas podem ser mais objetivas e diretas na comunicação com seus clientes, oferecendo produtos mais adequados às necessidades percebidas pelo próprio cliente. É como se o olhar se voltasse para dentro da pessoa e, a partir delas, as empresas elaborassem suas estratégias de marketing.
Claro! Partindo da compreensão de como os seres humanos funcionam “na vida real”, o economista comportamental pode ajudar as empresas a pensarem em como apresentar seus produtos de forma mais interessante - o que se chama de arquitetura de escolha. Isso inclui criar estratégias levando em consideração os vieses comportamentais de seus clientes, por exemplo.
Sabendo disso, novas estratégias de negócios podem ser criadas, baseadas em previsões mais acertadas e coerentes sobre o comportamento de seus clientes, colaboradores e fornecedores.
Não é possível afirmar isso de forma tão generalizada. Claro que o fato de existirem mais ferramentas que facilitem o controle financeiro e orçamentário ajuda, mas educação financeira não é só isso. É um trabalho de formiguinha, que precisa começar cedo, na escola e dentro de casa, na família.
Quando pensamos em educação financeira estamos falando de mudança de comportamento e de crenças em relação ao uso do recurso financeiro, não só informação. E, como os economistas comportamentais vêm dizendo, não somos tão racionais quanto pensamos e as emoções afetam nossas decisões. É por isso que a área vem ganhando prestígio e importância, pois oferece soluções práticas como a criação de “empurrõezinhos” (nudges) para incentivar a mudança de comportamento.
Há muito tempo as empresas vem fazendo uso da economia comportamental, pois viram que se quiserem vender mais precisam driblar a racionalidade do consumidor e criar uma espécie de gatilho para influenciar as pessoas a adquirirem seus produtos mesmo sem necessidade ou após o término da vida útil do produto.
É o que acontece com os smartphones, automóveis, impressoras e chegando até mesmo aos aparelhos de barbear que precisam estar em "constante evolução" para que as vendas não despenquem e para que o consumidor continue a ser estimulado a adquirir um novo equipamento. Porém, não há quase nada de novo nesses produtos e, em muitos casos, simplesmente existe apenas uma remodelagem do que já é comercializado há anos com mínimas inovações.
Sim, principalmente na questão de elaborar uma estratégia de vendas que possa estimular o consumidor a comprar o seu produto e não do concorrente, diferenciando-se não somente pelo aspecto visual, mas estimulando outros sentidos como olfato e tato.
Um exemplo disso são os automóveis que possuem estas três características muito bem definidas que podem ser decisivas na escolha de um veículo como: "fragrância de carro novo", aspecto visual (modelo e design) e acabamento interno, que tem a ver com o sentimento de prazer ao sentar-se num banco de couro em que abraça e conforta o consumidor até o emborrachamento dos painéis internos que podem aumentar a sensação de bem-estar. Assim, se aumenta a necessidade da aquisição seja ela por impulso ou por necessidade.
Bem, os apps vêm ajudando as pessoas a terem acesso mais rápido aos seus lançamentos de despesas e receitas, porém não são suficientes para fazer o consumidor de fato mudar sua vida financeira se não houver uma conscientização sobre seus hábitos de consumo somado a mudança de comportamento em relação ao uso do dinheiro. Ou seja, os aplicativos tem que ser encarados como uma via de duas mãos e não apenas uma plataforma de lançamento de gastos daquilo que já ocorreu mas, sim, um meio de informação para aquelas pessoas que anseiam maior conhecimento de seu orçamento, podendo realizar as devidas alterações/ações ao longo do mês antes que o pior aconteça, que é gastar mais do que o aquilo que foi estimado.
No Brasil, a economia comportamental ainda está em uma fase incipiente. O tema foi descoberto pelo mercado com o livro "Rápido e devagar – duas formas de pensar", do Daniel Kahneman, e depois, já em 2017, ganhou força quando Richard Thaler, um dos pais do nudge, foi laureado com o Nobel de Economia. Mesmo assim, já vejo que tanto empresas tradicionais quanto startups têm buscado formas alternativas de abordar consumidores e clientes, depositando neles um olhar mais "psicológico". Por ser uma área de conhecimento multidisciplinar e essencialmente experimental, ou seja, que testa na prática as hipóteses levantadas, usando métodos científicos, foi possível encontrar e comprovar nuances do comportamento humano que influenciam o processo de tomada de decisão – por vezes, de maneiras inusitadas e nem sempre "racionais". Assim, essas ferramentas, com o suporte importante dos dados e da estatística, estão sendo incorporadas nos processos de criação de produtos e serviços, marketing e branding.
Diria que não somente é possível, mas que isso constitui um grande diferencial estratégico. Quando nos deparamos com uma gama muito grande de opções, podemos nos sentir "paralisados”. Vieses e heurísticas nos acompanham ao longo de nosso dia. Portanto, não saber se posicionar adequadamente pode fazer do seu produto um daqueles milhares de itens que surgem e logo desaparecem.
Outra questão importante é a empatia social da marca. Recentemente, uma fabricante de cervejas realizou uma campanha no Brasil para promover o consumo responsável de bebidas! A campanha foi realizada em um bar de São Paulo, e o motorista da rodada ganhava uma porção de petiscos se se comprometesse a não beber e dirigir (um forte viés de apelo social). Este tipo de posicionamento causa grande impacto, pois desvincula a marca de uma imagem de consumo negativa, tão característica às empresas desse segmento, e mostra um lado de responsabilidade social. Governos podem construir parcerias nesse sentido, a fim de reduzir acidentes em outras esferas ou enfatizar políticas públicas.
Os setores financeiro e bancário têm passado por uma grande transformação, e as instituições mais tradicionais já perceberam isso. Algumas criaram suas próprias fintechs ou englobaram outras já existentes, a fim de se preparar para esse novo momento. Seja qual for o caso, os próximos anos prometem novidades, principalmente porque haverá mais autonomia e transparência no relacionamento com clientes. Ninguém mais quer pagar um valor exorbitante por um pacote de serviços fixo, muitos dos quais jamais serão usados. Ninguém mais quer as recomendações de investimento de gerentes de banco que têm de bater metas mensais, empurrando produtos que oferecem rentabilidade semelhante à da poupança – com a desvantagem de serem tributadas e sujeitas a taxas de administração e/ou performance.
O advento dessas fintechs e a maneira como elas se comunicam com clientes insatisfeitos do status quo criou a fórmula ideal para a mudança. Uma evidência disso é o movimento crescente de consumidores para esses serviços e aplicativos que "descomplicam" questões financeiras e, principalmente, se posicionam como uma alternativa mais "ética" aos players bancários. Tudo isso tem a ver com avanços tecnológicos, mas também com essa nova ótica sobre o cliente, simplificando a arquitetura de escolhas, customizando produtos e serviços, e construindo vínculos sinceros – uma espécie de ajuda. Ou, como foi traduzido em português, um "empurrãozinho na direção certa".
Assim, os consumidores têm utilizado essas ferramentas para preencher lacunas da educação financeira – tema fundamental, mas que não faz parte de nosso currículo escolar, e que representa um certo tabu em conversas entre grupos de familiares e amigos –, e dado passos importantes em direção ao controle das finanças pessoais e ao investimento de capital. Entretanto, ainda existe um caminho crítico a ser percorrido para oferecer a esses clientes a mesma sensação de segurança e solidez pela qual os bancos tradicionais se consolidaram.