Recentemente, em uma das turmas do nosso MBA em Inteligência de Mercado da Live University do Rio de Janeiro, um dos alunos me perguntou honestamente o seguinte: “Ninguém previa seriamente uma situação como esta que estamos vivendo. Quero que seja honesto comigo, esse planejamento todo de inteligência serve de quê numa hora dessas?”
Fiquei contente em não ter sido pego de calças-curtas por saber o que vou lhe contar agora nos próximos parágrafos, mas tem tudo a ver com o nosso Ciclo de Inteligência de Mercado (CIM).
No CIM, temos 5 etapas importantes para transformação de dados e fatos brutos em recomendações acionáveis. São elas: Planejamento, Coleta, Análise, Disseminação e Avaliação. E, por mais que as tecnologias mudem a forma com a qual resolvemos os desafios de cada uma destas etapas, a essência permanece. Aliás, permanece há décadas, testada e revisitada na academia e nas empresas.
É claro que, em meio a uma pandemia, com tantas incertezas vitais em jogo, é muito mais difícil realizar um planejamento estratégico e relacionar-se com o mesmo de maneira trivial, mas é justamente seguindo com a essência que as respostas começam a aparecer. Reitero a dificuldade de realizar um planejamento estratégico formal hoje em dia, mas, para quem consegue fazê-lo, as rotinas de Inteligência são fundamentais para acompanhar Planos de ação e Desdobramentos de estratégia.
Neste sentido, a escola francesa de IM, abordada em nossos cursos da Live University, propõe em suas matrizes de monitoramento de atores e temas uma opção para criação de sensibilidade à dinâmica VUCA que reduz previsibilidade e segurança. Mas, felizmente, não é só na etapa de Análise do CIM que estamos munidos de saídas. Também nas etapas de Planejamento, Coleta e Disseminação há muito o que se fazer para perseverar. Usarei estas etapas para ilustrar a salvaguarda que meu aluno desejava como resposta em sua pergunta. Vamos começar pela primeira etapa, portanto.
Por mais que a tecnologia ajude muito nos monitoramentos das 11 Forças Competitivas, IM é, por essência, uma atividade quase sempre manufaturada. Assim sendo, como praticantes de design thinking, somos empáticos para entender a necessidade do nosso stakeholder, promovendo valor para a decisão do executivo. É com ele no colo e sofrendo junto na jornada deste stakeholder que, por exemplo, entendemos quais são as fontes de informação que podemos listar para Key Intelligence Topics de Monitoramento clássico.
É só depois de entendermos muito bem o problema, que lançamos mão de competências de tecnologia, simulação de comportamento, coletas massivas e inteligências cognitivas digitais. Neste sentido, sabemos que cenários previsíveis e com variáveis parametrizadas, organizadas em BIs potencializam o entendimento. Infelizmente não é esse mar de rosas que vivemos, como todos sabemos. Mas, mesmo em um momento de agudez nas incertezas, a rotina de entender o problema, definindo quais são as perguntas-chave não respondidas (as chamamos de Key Intelligence Questions), para então lançarmos mão de robôs e técnicas avançadas de captura de dados, impulsiona e direciona diligentemente a Coleta para servir ao processo decisório. Nosso problema é enorme, não há como negar, mas fazendo bem a primeira etapa (Planejamento), potencializamos a segunda (Coleta).
E, falando sobre a segunda etapa, vivemos uma nova aurora informacional. Nossos robôs e computadores conseguem ler e destilar no impressionante volume de dados, com uma velocidade sem precedentes e com diversas variedades de extensões para encontrar correlações que só nesta visão macro é possível. Trata-se de uma dimensão nova, antes não acessível aos analistas humanos e (quase) analógicos. Reitero que o trabalho bem feito na primeira etapa do CIM, o Planejamento, ajuda a escopar o que procuramos, afinal, perguntas muito abertas nos deixariam perdidos na vastidão dos 3Vs do Big Data. Assim sendo, devemos mergulhar, sim, no desconhecido, sabendo que fragmentos informacionais podem impactar o todo e temos uma nova forma de navegar nesta dimensão.
A maravilha que nos empodera para enfrentar de maneira mais equânime este desafio que vivemos é que esta coleta veloz é feita de forma que o ser humano não conseguiria manualmente. Essa novidade nos tira do limbo de uma recessão imposta e pode nos devolver ao pálio competitivo. O tratamento das informações mudou muito e hoje conseguimos encarar um volume imenso de dados, criar organização, e até mesmo deixar que os robôs proponham um sentido no suposto ruído. É interessante notar que o nosso desafio frente às rotinas de coleta mudou muito nos últimos 30 anos. No passado, a dificuldade era conseguir informação, hoje temos o cenário oposto com o boom de data marts, data lakes e bancos abertos. Agora, é uma questão de descobrir o que é relevante e acionável.
Esse desafio da acionabilidade nos leva à outra etapa do CIM, responsável pela consciência da empresa, que é a Disseminação. E, tanto as rotinas tradicionais quanto as novas tecnologias, vêm auxiliando na melhor forma de entregar poder decisório. A disseminação não é apenas comunicação, mas compete também sobre saber tratar e exibir o small data para favorecer o consumo do stakeholder que fará sua própria interpretação. É como uma indústria de destilaria, em que os processos físico-químicos gerarão um substrato novo e a forma de consumi-lo vai depender do usuário. Trata-se de um bartender free style especializado em mixologia americana ou um neófito do mundo etilista? Em termos de Inteligência de Mercado (IM), o produto gerado pelo Ciclo de Inteligência só faz sentido se eu souber de antemão como eu o usarei, ou seja, tiver me preparado na primeira fase do CIM, o Planejamento.
Com esmero e entendimento do consumidor interno, todo o trabalho de analytics pode ser computado e organizado automaticamente com o estado atual da Inteligência Artificial (IA). Unindo a tradição de IM ao ápice vigente da tecnologia, é possível conectar os ditos sinais fracos pela escola francesa para triagem e deglutição. Como eu já disse acima, tornamos acessível uma dimensão inteira transformando o big data em small data, algo palatável ao ser humano. Neste sentido, é evidente que a IA entra não para o exercício analítico de antecipação de futuro, ela não substitui os analistas. E é intencionalmente que digo analistas no plural, uma vez que a inteligência só pode ser coletiva em função da natureza enviesada inerente à análise. Sob certa égide, há uma catalisação do processo de entendimento com a tecnologia e, por conta desta, podemos investir mais tempo em entender e avaliar, cruzar e destilar. É desta forma a Inteligência de Mercado propõe workarounds planejados para um momento delicado como este.
A abordagem de inteligência com essa transformação do big ao small data foi muito bem proposta por Martin Lindstrom e é, para nós analistas de IM, a conversão em algo acessível, inteligível, visualmente interessante e acionável. Misturamos e concatenamos diferentes bancos de dados para criar valor, é isso que a tecnologia faz. Mas, voltando ao drama do meu aluno, como podemos entender que as rotinas de IM ainda agregam valor em um cenário em que os BIs e forecasts furaram com a realidade?
A ideia é que podemos conjugar os caminhos dando vazão à nossa fase tecnológica, com muita informação com os CRMs, SRMs, etc, mas integrando as análises que antes eram exclusivas nos lagos (silos) de informações isoladas nas companhias. Falta ainda, comumente, uma junção. A exploração em Big Data traz este olhar conjunto. Nem sempre precisamos reinventar a roda para enfrentarmos desafios, inclusive como este que vivemos. As metodologias evoluem, mas as abordagens analíticas devem coabitar. Se, com um massivo volume de dados, extrairmos o small data e já encontramos sentido, escalaremos para fora do buraco que caímos com execuções orquestradas.
Respondendo de forma muito direta à pergunta tema deste artigo: é justamente com as abordagens de IM que encontraremos uma saída específica, mensurável, atingível, relevante e com prazo para aferição dos resultados. Naturalmente, nem toda informação que para minha empresa for small data será certamente relevante para outros CNAEs. A inteligência coletiva propõe encontrar amarração, dado que várias interpretações trazem uma visão co-construída e que outros especialistas na empresa conseguem coletivamente gerar novos sentidos.
A conclusão é que nossos conceitos de IM são impulsionados por tecnologia, não substituídos, e muito provavelmente os diversos praticantes de inteligência de mercado lograrão soluções e recomendações mais eficazes para o momento de hoje se navegarem amplamente pelas destilarias coletivas, como nossos grupos de inteligência nacionais e internacionais, experimentando com honestidade intelectual a mixologia proposta pelos analistas colegas.